terça-feira, 8 de março de 2011

Com a Palavra, Hélio Fernandes

Uma lição de História do Brasil
Carlos Lacerda: candidato invencível de uma eleição (1965) que não haverá
De 1º de janeiro a 31 de dezembro de 1963, todos conspiravam, 24 horas por dia. Jango no Poder. Os militares, escondidos. Os governadores Ademar de Barros, Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Miguel Arraes, Mauro Borges, Brizola (que deixara o governo no início desse 1963), o ex-presidente Juscelino (que passou o governo a Jânio e lançou sua candidatura para 5 anos depois, em 1965).
Em 6 de janeiro desse 1963, João Goulart ganhou facilmente o plebiscito para a volta do presidencialismo. Interesses colossais, "correu muito dinheiro". Mas surgiram brigas e mais brigas, todos conspiravam, mas todos eram candidatos a presidente. Parece uma contradição, mas era a verdade dos fatos. Nestas notas de 1964, me interessa um aspecto e um governador, pois conversava quase diariamente com ele, candidatíssimo.
E a candidatura Carlos Lacerda? Continua forte e bem disposta, com evidentes reflexos na opinião pública. Mas ou eu muito me engano ou o governador da Guanabara continua sendo o mais forte dos candidatos a uma eleição que não vai haver. Ou só haverá dentro de certas condições. O sr. Carlos Lacerda paga, neste momento, por dois terríveis erros, que vão amargar e amargurar os próximos anos da sua vida:
1º - A viagem à Europa, numa hora em que o País e a revolução esperavam (e até exigiam) tanto da sua liderança.
2º - Ter ficado placidamente no cinema do palácio, assistindo "Moscou contra o Agente 007" (um filme realmente muito excitante), enquanto em Brasília o Congresso desarvorado e sedento de uma orientação que não chegava, quedava-se perplexo e aprovava a prorrogação do mandato presidencial apenas por um voto.
Se o sr. Carlos Lacerda, habitualmente tão lúcido, tivesse compreendido que naquele momento se jogava o destino da sua própria candidatura e a sorte do Poder Civil, por muitos e muitos anos, teria corrido para Brasília e derrubado a prorrogação do mandato presidencial. Recorde-se que, quando chegou da sua malfadada viagem à Europa e se manifestou radicalmente contra a prorrogação, a UDN toda correu para os seus braços, evidenciando que aquela era a orientação certa.
Mas na hora exata em que deveria se mostrar mais firme, o sr. Carlos Lacerda afrouxou, o Congresso sentiu que havia "entre o Céu e a Terra muito mais coisas do que pode alcançar a nossa vã filosofia", e afrouxou junto com o líder. Naquele dia, quase sem sentir, e assistindo cinema até às 4,10 horas da manhã, o sr. Carlos Lacerda assinava a sua própria sentença de morte eleitoral e sepultava melancolicamente uma boa dose das esperanças e das possibilidades de chegar à presidência da República. E o que é mais grave: insensivelmente, infligira ao Poder Civil a mais contundente das derrotas já sofridas desde 1937.
Agora, os acontecimentos não podem mais ser controlados a distância e o sr. Carlos Lacerda perdeu o pulso da situação. Continua sendo o mais popular e o mais amado dos líderes brasileiros, e o único líder civil da revolução. Mas o que adianta isso, para uma revolução que se afirma acima de tudo e sobretudo militarista, principalmente nas suas preferências em relação a 1965? Vire-se para onde se virar, o sr. Carlos Lacerda encontra um candidato militar, e todos com evidente supremacia sobre ele. Supremacia que não se manifestava antes da revolução, mas que agora cresceu espantosamente.
Pode-se dizer, sem medo de errar, que a revolução tirou do sr. Carlos Lacerda todas as bandeiras e se apresta para tirar-lhe agora até a "vontade" de se candidatar.
Outra coisa que vai funcionar e fulminar quase inapelavelmente o sr. Carlos Lacerda: as inimizades que foi acumulando nos seus quase 20 anos de liderança na política e no jornalismo, e no decorrer de algumas das mais formidáveis campanhas que este País já assistiu. Não se pode ser Carlos Lacerda a vida toda sem provocar ódio e frustração.
O sr. Ademar de Barros, neste momento, além do alívio que deve estar experimentando por se sentir seguro no governo de São Paulo, tem uma outra satisfação: está se vingando do sr. Carlos Lacerda, e do muito que já sofreu (merecidamente, diga-se) nas suas mãos. O sr. Magalhães Pinto (que nunca morreu de amores pelo sr. Carlos Lacerda) já se enfileira também no esquema Ademar e com evidente satisfação. Não podendo se candidatar, Ademar e Magalhães já ficam visivelmente satisfeitos que Lacerda também não possa.
Quanto ao desmentido feito pelo ministro da Guerra, Costa e Silva, em relação à sua candidatura, mostra que ele "aprendeu rapidamente o jogo. É candidatíssimo e diz que não é". Inevitável e rigorosamente compreensível. Aliás, isso está na linha da mais autêntica coerência histórica. Em 1890, quando se falou na candidatura Floriano, ministro da Guerra de então, ele foi o primeiro a sair com um desmentido no "Jornal do Commercio", o mais importante da época.
Depois, tivemos a fase dos grandes movimentos militares, das sucessivas revoluções, veio 1930, entramos na longa noite da ditadura, até que finalmente voltamos à luz e à democracia, em 1945. E qual foi o candidato escolhido? Precisamente quem fora ministro da Guerra durante longos e longos anos, o marechal Dutra. Relutou, relutou, disse que não queria. Acabou presidente da República.
Em 1960, tivemos nova candidatura de ministro da Guerra, a do general Lott, que só não acabou presidente da República porque os acontecimentos políticos, econômicos e sociais, e os impressionantes erros acumulados, provocaram um fenômeno chamado Jânio Quadros. Agora a história se repete e o ministro da Guerra é novamente tentado pelas forças civis para disputar a presidência da República. Não tem importância que ele desminta o fato. De desmentido em desmentido, Costa e Silva acaba presidente da República.
PS - O artigo acima foi publicado em outubro de 1964. O senhor Carlos Lacerda, governador da Guanabara, era candidato pela UDN. O senhor Ademar de Barros, governador de São Paulo, era candidato pelo PSP. O sr. Magalhães Pinto, governador de Minas, era candidato certíssimo. Os 3 apoiaram a revolução, que não apoiou nenhum deles. Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Ademar de Barros cometeram o erro terrível de não terem cursado a Escola Militar de Realengo e saído general.
PS 2 - Se não tivesse havido a revolução de 1964, é possível que um dos 3 tivesse chegado a presidente. Embora eu estivesse convencido que sem 1964 ou com 1964 jamais teria havido 1965 no calendário eleitoral brasileiro.
PS 3 - (40 anos depois, agora, atendendo a pedidos gerais, reproduzo o artigo. Não pelo fato de ter acertado em tudo, de não ter havido 1965, do Poder Civil ter mergulhado numa escuridão de 25 anos. Pois a primeira eleição direta só foi acontecer em 1989. O Poder Civil não existiu, mas o Poder Militar também não se satisfez. Mantiveram o Poder tanto tempo para quê? Para nada. Nem para eles, nem para os civis, nem para o Brasil).
PS 4 - Para o repórter não adiantou coisa alguma. Dizer em 1964 que não haveria eleição em 1965, valeu alguma coisa? Nada a não ser desterro, cassação, prisões, perseguições, discriminação. E insistir que não haveria espaço para qualquer civil, na época nem era muito difícil de acertar. Bastava olhar e analisar.

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